Ao trabalhar com clientes estrangeiros, de diferentes continentes, é semelhante entre eles a descrição que me fazem do apartamento ideal: Tantos quartos, tantas casas de banho, isto e aquilo e, claro, ar condicionado, aquecimento e elevador.
A este descritivo acrescentam, ainda, próximo do rio, do metro, etc. Já para não falar quando já passearam por Lisboa e neste caso acrescentam, numa zona plana, sem aviões a passar e perto de cafés e restaurantes, mas sem barulho.
Esta cidade encantadora com os seus mais de 3 mil anos e as suas peculiaridades não podia deixar de ter também algumas características únicas no que diz respeito à sua construção e evolução. A construção e a arquitectura de Lisboa é ainda composta por edificado com mais de três séculos ladeado, por vezes, por construções recentes sendo importante compreender a sua história e os seus marcos ou, devo dizer, os seus momentos fracturantes. E assim, a sua construção e reconstrução.
A realidade é que a construção em Lisboa caracteriza-se por períodos distintos pautados pelos acontecimentos da cidade e pela evolução, ou não, das metodologias de construção. De seguida um pequeno resumo da evolução da construção ao longo dos anos e algumas das características que estavam presentes em cada época. Como eram os apartamentos nas zonas históricas de Lisboa? Por incrível que pareça nem sempre com o avançar dos anos houve um avanço nas técnicas e na qualidade de construção, como pode constatar de seguida.
CONSTRUÇÃO PRÉ-POMBALINA (ANTES DE 1755) 1
- Paredes resistentes de alvenaria de pedra (incluindo também restos de madeira, telhas, etc.) argamassada;
- Pavimentos de madeira;
- Arcadas nos pisos inferiores em arcos de pedra e abóbadas de alvenaria (tijolo).
CONSTRUÇÃO POMBALINA (1755 – 1880)
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Regulamento anti-sísmico (directivas) baseado na estrutura em gaiola (1º do mundo) e memória do sismo;
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Cuidados redobrados na construção (técnicas construtivas e materiais);
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Nos pisos elevados, paredes interiores principais em frontal – gaiola de madeira (“cruzes de Santo André”)
CONSTRUÇÃO GAIOLEIRA (1880-1940)
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Plano de Frederico Ressano Garcia (MOP, 1864): expansão da cidade de Lisboa para Norte através de um eixo de 3 avenidas articuladas por rotundas;
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Grande liberdade arquitectónica e construtiva (cérceas, profundidade de construção, tipo de ocupação, linguagem arquitectónica, técnicas construtivas, etc.) – construção livre sem normas (um dos problemas do plano…);
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Adulteração das regras construtivas pombalinas (materiais de pior qualidade, menos interligação entre elementos → pior desempenho sísmico)
CONSTRUÇÃO MISTA (1940-1960)
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Paredes resistentes de alvenaria, pavimentos em betão armado (primeiros elementos de betão armado);
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Paredes divisórias em alvenaria de tijolo, maior número de andares;
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Pavimentos de madeira substituídos por lajes finas de betão armado.
CONSTRUÇÃO EM BETÃO ARMADO (DESDE 1960)
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Estrutura porticada (pilares e vigas) em betão armado;
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Lajes maciças (ou fungiformes) em betão armado, varandas salientes;
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Paredes resistentes em betão armado (núcleos) nos edifícios de maior altura (desempenho sísmico).
Após o terramoto, a cidade expandiu-se para oeste e ao longo dos anos a partir do rio para o norte da cidade. As zonas mais apetecíveis, pela maioria, na cidade de Lisboa não mudaram assim tanto. As zonas junto ao rio, as zonas alvo da reconstrução pombalina, continuam a atrair residentes pelas comodidades, proximidade e vista rio e, de uma maneira geral, pelo estilo de vida animado e conveniente que proporciona na sua envolvente de dia e de noite.
Os edifícios, porém, são o retrato da sua época construtiva. Assim, requisitos que hoje se consideram standard como várias casas de banho, ar condicionado, aquecimento e elevador, para referir apenas os mais desejados, de uma lista maior, não é algo standard que se possa encontrar ao longo de uma mesma rua ou zona.
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1 Fernando Branco, João Ferreira, João Ramôa Correia, “A Evolução das Construções”
Nestes últimos 6 anos muito se tem feito, que durante várias décadas não se fez, na renovação de edifícios e apartamentos. Goste-se, ou não, com a ajuda de investimento estrangeiro ou incentivado pela procura estrangeira e consequente necessidade de dar resposta à procura de soluções e oferta imobiliária.
Edifícios cinzentos e muito degradados, janelas fechadas, luzes apagadas eram uma presença assídua em muitas zonas históricas de Lisboa.
Para quem, como eu, percorre a cidade a pé regularmente, vê que ainda persistem muitos edifícios nesta situação. Ainda assim, a situação melhorou e em algumas zonas está bastante diferente. O panorama anterior não desapareceu. É possível encontrar um apartamento com três quartos e uma casa de banho. E por vezes para chegar a ela tem de passar pela cozinha! Por incrível que pareça em certas zonas da cidade, que não iria acreditar, existiam edifícios com apartamentos sem qualquer casa de banho. Estas vieram anos depois.
Hoje, porém, é possível encontrar, de vez em quando, um apartamento com um quarto e duas casas de banho, ar condicionado, aquecimento e elevador.
E também encontra o apartamento mais actual, com ar condicionado, vista rio num edifício pombalino, do séc. XVIII ou XIX, num magnífico quinto andar com ou sem elevador.
Mas ainda pode encontrar uma das melhores vistas rio e da cidade, com varanda e terraço e estar apenas no rés-do-chão. Onde? Fale comigo que eu mostro-lhe.
Esta é uma parte da história das casas que pode encontrar na cidade de Lisboa. Muitos anos, muitas vivências e alguns percalços, pelo caminho, que lhe vieram dar a configuração que ainda vemos hoje em muitos dos locais históricos. Compreender como foi construída, reconstruída e evoluiu é meio caminho andado para saber que a oferta que existe pode ser muito diversa numa mesma rua. Compreender esta realidade é um preâmbulo importante, a considerar, para quem não conhece como se construiu e como evoluiu Lisboa. Ainda que, porventura, lhe reduza ou altere as opções disponíveis daquilo que procura, espero que esta informação lhe traga um entendimento maior da cidade e do seu património arquitectónico. Ajudará talvez, também, a definir os seus critérios de pesquisa de casa em Lisboa. Afinal o que é que mais valoriza quando procura uma casa em Lisboa? Quais são os atributos obrigatórios? Quem conhece esta cidade saberá encontrar num ápice um ou mais bairros onde se encaixam os seus atributos. É um desafio com um desfecho imprevisto, por vezes, e adorável ainda assim.
Desculpe, nem sempre há estatísticas e resultados esperados. Apenas a certeza de que a descrição que fez no início pode não ser a casa ou o bairro onde vai morar.
E isso é um dos encantos que Lisboa tem. Cada bairro conta uma história e tem uma vivência muito própria. Com a garantia de encontrar sempre elementos históricos e originais. E o melhor de tudo é o comércio local. Algumas zonas têm sofrido grandes mudanças, mas o comércio local ainda existe e vive da lealdade dos residentes nas proximidades e não só. No comércio local ainda pode encontrar soluções um pouco para tudo. Desde o fazer das chaves, drogarias, mercearias, o útil sapateiro, a padaria onde só se vende pão (poucas, mas estão por aí) e não menos importante, os vários cafés que abrem cedo e fecham tarde e onde tudo se conta e tudo se sabe.
Apesar de ser lisboeta e ter as minhas zonas preferidas na cidade, confesso que quando estou em trabalho (a beleza do meu trabalho) e descubro mais detalhes de um bairro ou ruas que conhecia mal, muitas vezes o meu coração fica apaixonado e sinto-me a “trair” as minhas zonas de eleição. Mas depois sorrio porque me vem à memória a canção do Pedro Abrunhosa que se aplica a Lisboa na perfeição “Socorro, estou a apaixonar-me, é impossível resistir a tanto charme”.
